domingo, 8 de maio de 2011

O direito constitucional ao sigilo da fonte e suas implicações no Jornalismo


Por Eveline Gonçalves Denardi

Ao partir da experiência prática do jornalista e do uso imprescindível do sigilo da fonte em diferentes vertentes do Jornalismo, pretendemos analisar alguns aspectos de um conflito relativo tanto a área jurídica como a da comunicação.
Qual a leitura que o Jornalismo e o Direito fazem do sigilo da fonte? O entendimento do jornalista leva em conta essencialmente a ética rígida da sua profissão e a considera imprescindível em todas as áreas do Jornalismo. Quando não age assim, entende que seu trabalho foi deturpado. Já o Direito a compreende como uma proteção constitucional, conforme prevê o artigo 5º, inc.XIV, mas também a avalia dos pontos de vista do Direito Civil (obrigação) e Penal. A diferença de percepção entre o jornalista e o Poder Judiciário a respeito do sigilo da fonte é que dá origem aos conflitos nos Tribunais.
Entre jornalistas e fontes se estabelece uma relação de confiança. É firmado o comprometimento do silêncio quanto à origem da informação. Se o jornalista rompe o pacto de confidencialidade comete ato de traição com conseqüências na prática do Jornalismo e na sua credibilidade profissional que, por sua vez, irá ferir o direito constitucional à informação em suas três vertentes: o direito de informar, de se informar e de ser informado.
No Brasil, ainda que seja possível perceber uma tendência do Poder Judiciário em ler a questão, considerando a importância da ética profissional, verificamos algumas iniciativas daqueles que se consideram vítimas dessa proteção constitucional, pleiteando para que os repórteres revelem seus informantes nos tribunais.
As discussões a respeito das leis sobre os eventuais crimes cometidos por jornalistas têm merecido destaque em função da revogação da Lei de Imprensa (Lei 5.250/67) pelo Supremo Tribunal Federal.
Não se trata de uma distinção teórica, abstrata, mas a projeção de algo explícito e concreto.
O direito ao sigilo da fonte e do tratamento constitucional atribuído a ele parece ter se originado de uma das faces da liberdade de expressão: a liberdade de informação. O legislador constituinte, após alçar a ampla liberdade de informação ao mesmo patamar constitucional, pensou em seguida na proteção ao sigilo da fonte que, em última instância, assegura o direito daquele que informou e não só daquele que transmite a notícia.
O inciso XIV da Constituição de 1988 deve ser compreendido junto aos incisos XXXIII (direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado) e LXXII (direito de obter informações de caráter personalístico armazenadas por entidades governamentais ou de natureza pública). Ambos protegem o direito de acesso às fontes de informação.
No ordenamento infraconstitucional, a proteção ao sigilo da fonte aparece nas normas que regulamentam a profissão de jornalista e nos códigos de ética dos jornais e dos jornalistas.
E existiria alguma situação em que a proteção ao sigilo da fonte pudesse ser suspensa? Sim. Essa proteção pode ser sustada na vigência do estado de sítio. A Constituição prevê em seu art. 139 que poderão ser tomadas medidas no caso de absoluta anormalidade institucional. Entre elas, estão previstas restrições à liberdade de imprensa e à prestação de informações, conforme inc.III do referido dispositivo.
Além da Carta Magna, as leis esparsas que regulamentam a profissão do jornalista, os Códigos de Ética, de Conduta da Classe e dos Jornais, – todas dão especial atenção ao necessário sigilo da fonte para o exercício da profissão.
O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, votado em Congresso Nacional e em vigor desde 1987, em seu artigo 8º estabelece que “sempre que considerar correto e necessário, o jornalista resguardará a origem e identidade das suas fontes de informação”.
O Código de Conduta dos Jornais aprovado pela Associação Nacional de Jornais, e em vigor desde 1991, garante ao jornalista em seu item 7 “preservar o sigilo de suas fontes”.
Aprovado desde 14/8/1997 pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, o projeto da nova Lei de Imprensa elaborado com base no substitutivo preparado pelo deputado Vilmar Rocha traz em seu artigo 10, parágrafos 4º e 5º:

Nenhum autor de escrito ou notícia, ou veículo de comunicação social poderá ser compelido a indicar o nome de seu informante ou fonte de suas informações, não podendo seu silêncio, na ação penal, ser usado contra ele como presunção de culpa ou agravante. O sigilo da fonte não exclui as responsabilidades, civis e penais, nem o ônus da prova

Nossas leis civis, penais e processuais são explícitas quanto aos casos em que se deve manter o sigilo profissional:

Código Civil
Art. 144 – Ninguém pode ser obrigado a depor sobre fatos, a respeito dos quais , por estado ou profissão, deva guardar segredo.
Código de Processo Civil
Art. 406 - A testemunha não é obrigada a depor de fatos:
II - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo.
Código de Processo Penal
Art. 207 – São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.
Código Penal
Art.154 - Revelar alguém, sem justa causa, segredo de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa traduzir dano a outrem;
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

Na hipótese prevista pelo Código Penal, há dois posicionamentos divergentes na doutrina brasileira em relação ao fato de o jornalista cometer ou não um crime, se revelar o que soube por meio de sua fonte.
Segundo o advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira, esse artigo de lei parece ser um reforço à proteção dada ao sigilo da fonte, uma vez que o jornalista que, sem justa causa, violar o segredo, a informação que recebeu da sua fonte, cometerá um crime.
O mesmo entendimento é manifestado pelo juiz de Direito, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, para quem o sigilo da fonte representa o dever de não divulgar a identidade do informante, sob pena de o jornalista tipificar o crime previsto pelo art. 154 do Código Penal.
Por fim, o advogado e articulista do jornal Folha de S.Paulo, Walter Ceneviva reforça o entendimento de ambos:

não se cuida, convém insistir, de tratamento mais favorecido dos operadores da comunicação social, tanto que pode caracterizar um crime o ato do jornalista que assumir o compromisso, sob sua fé profissional, de silenciar, mas quebrar a promessa, indicando a fonte e, por isso, causando-lhe danos materiais ou morais que se comprometeu a evitar (CENEVIVA, 1996)

Em sentido contrário, estão o pensamento de estudiosos como Luiz Manuel Gomes Júnior ao defender que “o jornalista não é depositário de um segredo, mas, sim, de uma informação e, no caso de revelar a identidade, não está sujeito à pena prevista naquele artigo” (GOMES JUNIOR, 2007, p.197).
Sua referência é a argumentação de Edilsom Farias sobre a necessidade de não se confundir o direito ao sigilo com o segredo profissional:

O bem jurídico protegido pelo sigilo da fonte de notícia é a identidade da fonte ao passo que o segredo profissional, em geral, visa a resguardar a intimidade e a relação de confiança estabelecida entre o cliente e o profissional.
Isto é, no sigilo da fonte o conteúdo da informação é divulgado e mantida incógnita sua identidade. No segredo profissional, a identidade do cliente pode até ser revelada, mas o segredo confiado ao profissional deve ser preservado da indiscrição alheia. Logo, a divulgação da fonte não constitui crime previsto no Código Penal (art.154), tendo em vista que o comunicador não está revelando um segredo, mas, sim, a identidade de pessoa que lhe forneceu informações (FARIAS, 2004, p.239).

Por se tratar de um aspecto fortemente conflitante entre Imprensa e Poder Judiciário,o tema suscita a necessidade de contribuirmos para melhorar o entendimento dos magistrados, do jornalista e da sociedade a respeito da formação da notícia.
Ao Poder Judiciário talvez fosse fundamental propor uma leitura que, além de considerar os aspectos jurídicos do tema, compreenda a importância do valor ético dessa prerrogativa no Jornalismo ao ponderar o julgamento das demandas que envolvem o sigilo da fonte.
A grandiosidade do tema envolve a liberdade de expressão na Constituição Federal, o direito à informação e os conflitos decorrentes do Jornalismo com os direitos da personalidade. Imprescindíveis também a compreensão do cenário internacional, partindo de experiências similares em países europeus e norte-americanos.
O sigilo da fonte se apresenta como um direito que se contrapõe à obrigação no ordenamento jurídico. Todavia, ele deverá ser compreendido eticamente para que de fato ocorra um Jornalismo adequado e profissional.
Há reportagens em que o comportamento do jornalista motivado exclusivamente pelo “furo de reportagem” mereceria uma avaliação de um Conselho de Ética Jornalística.
Todavia, um dos fatores que parecem exercer significativa influência sobre o trabalho do jornalista é a pressão exercida pelos donos das empresas de comunicação em busca do “furo”.
Do ponto de vista ético, inúmeras questões são propostas para refletir sobre os limites que o jornalista impõe para si a fim de chegar à verdade. Os meios utilizados para isso, embora muitas vezes obscuros em prol de um fim que contemple a melhor informação à sociedade, suscitam dúvidas sobre sua pertinência e adequação.
Afinal, é correto um repórter mentir para um entrevistado dizendo-se encanador para entrar na residência de alguém e se inteirar de algo que não diria respeito a um jornalista?
É justificável modificar o comentário de um entrevistado, incrementando sua fala para dar mais impacto ao texto final? Essas ponderações não cabem só ao jornalista, mas a todos que vão receber a informação, e só poderão fazê-las ao conhecer a conduta dos profissionais da comunicação.

Grupo 7

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